ESPAÇO ABERTO: A incompletude da língua.

Revista Espaço

Endereço:
DIESP - Rua das Laranjeiras, 232, Laranjeiras. Rio de Janeiro – RJ, - Sala 309 - Laranjeiras
Rio de Janeiro / RJ
22240-003
Site: http://www.ines.gov.br/seer/index.php/revista-espaco/index
Telefone: (21) 2285-7546
ISSN: 25256203
Editor Chefe: Wilma Favorito
Início Publicação: 31/12/1989
Periodicidade: Semestral
Área de Estudo: Educação, Área de Estudo: Letras, Área de Estudo: Linguística, Área de Estudo: Multidisciplinar

ESPAÇO ABERTO: A incompletude da língua.

Ano: 2000 | Volume: Especial | Número: 13
Autores: Maria Teresa Telles Ribeiro Senna
Autor Correspondente: Maria Teresa Telles | [email protected]

Palavras-chave: Educação de Surdos

Resumos Cadastrados

Resumo Português:

O que me levou a escrever este artigo foi mais um de tantos retornos assistemáticos ao Instituto Nacional de Educação de Surdos—INES, local que inspira em mim um desejo silencioso de vol-tar a pôr em prática a teoria adquirida na jornada acadêmica.Pois bem,ao rever colegas das séries iniciais do ensino fundamental, tive a grande oportunidade de participar de um debate extremamente interessante e,ao mesmo tempo,carregado de muita polêmica— aprendizagem,pelo aluno surdo,de uma ou de todas as modalidades de apresentação da Língua Portuguesa.O questionamento central a teve-se à oralidade,pontuando as seguintes perguntas: Qual o papel do professor de uma escola especial para surdos frente às limitações do aluno,no que diz respeito as emissões orais?Qual o objetivo maior que esse professor deve alcançar com seus alunos,ao lhes apresentar fonemas,morfemas e palavras orais?Finalmente,qual a competência desse profissional no pro-cesso de transmissão ao aluno das diversas possibilidades de leitura do mundo? Enquanto me deliciava com o universo de opiniões apresentadas pelas colegas,iniciei reflexões acerca da falta da língua como expressão da linguagem.EdlerCarvalho(1998),ao apresentar os quatro aspectos que perpassam as barreiras para as interações sociais entre os sujeitos com deficiência e os demais,cita as “opiniões de algumas pes-soas portadoras de deficiência acerca das barreiras que enfrentam”.Com muita propriedade,a autora considera:“... o mais teórico e experiente dos discursos não substitui a fala dos próprios deficientes...” (p. 21).Também neste livro,alguns sujeitos surdos deram seus depoimentos a respeito da modalidade oral da Língua Portuguesa.Edler Carvalho (op.cit.)relata:“Rejeitar,radicalmente,a modalidade oral da língua foi considerada outra barreira.Disseram discordar da idéia de que bastaria usar a língua de sinais.Reiteraram que a integração exige a prática da educação combilingiismo.“É tão importante a língua de sinais quanto é a língua portuguesa.”"(p.23).Até o momento,apresentei dois pontos de discussão:a linguagem e a língua— que,à primeira vista,podem causar a impressão de encontrarem-se estanques.No entanto,considero-os em convergência total,razão pela qual acredito serem interdependentes.Ser exposto à língua de uma dada comunidade linguística e ter a chance de transformar a linguagem em pensamento é o caminho que todas as crianças devem percorrer para processar essa linguagem através do pensamento,utilizando os meios disponíveis na língua,através de seus códigos especí-ficos.Assim,cada sujeito adquire a linguagem enquanto faz uso da língua.No que diz respeito ao binômio linguagem— pensamento,Piaget(1967)acredita que a linguagem encontra-se unida ao pensamento em um círculo genético,ou seja,cada um apóia-se necessariamente no outro,com formações independente se ação recíproca.Além disso,é uma necessidade,mas não a condição para as construções lógicas no in-divíduo.Para o autor,“...o pensamento precede a linguagem e que esta se limita a transformá-lo, profundamente,ajudando-o a atingir suas formas de equilíbrio...”(p.86).O sujeito passa por um processo em que linguagem e mecanismos de pensamento têm caminho intrincado;um fornece ao outro condições de evolução satisfatória. Quanto à língua como expressão da linguagem,o desenvolvi-mento cognitivo infantil depende da ação do sujeito no meio e a consequente abstração das relações entre essas ações.O conteúdo adquirido pela criança,principalmente nos dois primeiros anos de sua vida,é de funda-mental importância em novas situações a ela apresentadas,pois servirá de alicerce para abstrações mais complexas.As trocas linguísticas efetuadas entre o meio e a criança produzem o seu cres-cimento cognitivo harmonioso.Para Cordier(1994),a linguagem é vista como indicadora de representações subjacentes(conceitos),já que é prova da representação dos objetos e suas propriedades e permite relações entre os objetos,ações,intenções e causalidades nos acontecimentos.Dessa forma,o sujeito domina progressivamente as representações.No transcorrer do debate,surgiu em mim a primeira controvérsia com relação à incompletude da língua.Como dar conta das emoções,dos desejos,da raiva e de tantosoutrossentimentosqueficamguardadosem nós?Ao per-correros caminhosda linguísticaestrutural,verifica-sea importân-cia do discurso como ação da linguagem,cujo material simbólico organiza-se e seu conteúdo possui,na palavra,O instrumento dessa ação.Segundo Benveniste(1995[1966])o conteúdo,ou pen-samento humano,recebe formas através da língua.Seja qual for o meio de expressão a ser utilizado pelo homem,este apresenta-se perifericamente,o que equivale dizer que,por mais perfeita que seja a forma,estaja mais dará conta da essência.Os códigos são inegavelmente sociais;suas conformações atende mas necessidades das diferentes comunidades linguísticas,com suas aprovações para transmissão do mundo simbólico.Esses códigos,estabelecidos socialmente,apresentam características relativas a cada comunidade linguística,transmitidas através dos discursos.As relações entre a linguagem,o pensamento e o mundo estabelecem uma posição privilegiada do homem na linguagem.Cada indivíduo falante apropria-se da linguagem atravésdalínguaetorna-seautordosseusdiscursos.Paraa Análisedo Discursoa formaçãodiscursiva,na suamateriali-dadelinguística,nãodá contadaproduçãode sen-tidose o código,na sua forma simbólica,torna-se incompleto,rodeado de diversas formações discursivas,insatisfatórias ao sujeito que nelas se instala provisoriamente.A língua,com seu poder relativamente autônomo,apresentana sua materialidade o universode formações discursivas determinantes dos múltiplos sentidos.Mas o indivíduo permanece com a sensação da incompletude.Por mais que se esforce,não há conteúdo simbólico que expresse todas as suas emoções.Oferece poderes à linguagem para definir, para externar e para formalizar.A segunda controvérsia que me veio à mente refere-se ao papel de uma escola especial para surdos.O que seria fundamental para a criança surda,em uma escola considerada especial?Lembrei-me de um artigo de Alisedo(1994)ao afirmar que“Se a escola é especial,as meto-dologias devem ser especiais a fim de conseguir transformar essas crianças em crianças como as outras,que aprendem,que têm êxito escolar e que se interessam em aprender”(p.12).Encontrando-me literalmente absorvida pelos diálogos ali presentes,tentei imaginar de que maneira um educador de surdos(cuja língua de sinais fosse a língua materna)trabalharia a incompletude da segunda língua,no nosso caso,a Língua Portuguesa.O passar do tempo não nos permitiu penetrar nesta questão e,por força das circunstâncias,despedimo-nos,mas permaneci inquieta devido à falta de respostas palpáveis aos questionamentos feitos inicialmente.Experimentei o monólogo que só terminou com este artigo.Penetra no inesgotável assunto da falta da língua para dar conta da linguagem me deu força para correr o risco de considerar que:e O meio linguístico interage como sujeito,em permanente construção da linguagem.A produção linguística ocorre atra-vés do domínio progressivo que uma criança tem da língua materna,efetuando mudanças qualitativas no seu processo.As criações nos discursos infantis são construídas;inicialmente,ocorre o in-teresse comunicativo,para posterior e gradualmente evidenciar-se o desenvolvimento linguístico,como domínio das regras e relações gramaticais.A abordagem de interação social enfatiza o aspecto da mediação como elemento principal do desenvolvimento linguístico infantil; O sujeito em questão devolve ao meio parte da sua construção acumulada.A formação do pensamento representacional é assegurada pelo desenvolvimento processual harmônico da função simbólica,sendo a linguagem uma de suas manifestações.Talvez até esta função tenha m ais o caráter semiótico devido à abrangência,pela criança,do emprego designos verbais.Realizar a leitura do mundo é participar ativamente de sua construção.Para poder adquirir o conhecimento de mundo,a criança necessita experimentar as situações de um con-texto que lhe favoreçam ou so da linguagem e lhe dêem condições de interpretar.Para chegar ao significado,o ser humano utiliza-se desse contexto,com todas as fontes de conhecimento que lhe estejam disponíveis:O caminho de ida e volta precisa dar-se através de todas as possibilidades linguísticas:No caso deste sujeito ter surdez,mais do que nunca o professor deve apresentar ao aluno a oralidade como mais um meio de comunicação,no leque de opções formais de uma língua oral-auditiva.É de senso comum a ineficácia no trabalho com a oralidade que vise e missões sem qual-quer significado para o surdo.A estrutura de uma língua oral-auditiva não é percebida pelo su-jeito surdo,o que não invalida o direito de  o aluno perceber e conhecer a funcionalidade dessa língua;O profissional  que lida como sujeito surdo e muma escola especial deve considerar,como um dos objetivos primordiais no seu trabalho,o desejo do conhecimento infantil,satisfeito através de todas as possibilidades linguísticas,inclusive a oralidade.É direito do aluno surdo a leitura do mundo,mesmo que esta se forme com a sensação da incompletude.